Resenha Linguística e ensino da língua portuguesa como língua materna*

Ana Slompo
5 min readJan 18, 2021

ILARI, Rodolfo. Linguística e ensino da língua portuguesa como língua materna. Museu da língua portuguesa, 2009.

Rodolfo Ilari é linguista formado em Letras Neolatinas pela USP, com especialização em língua e literatura italiana por essa instituição, é mestre e doutor em Linguística pela Université de Besançon e pela UNICAMP, também tem pós-doutorado em Semântica pela University Of California Berkeley. Suas áreas de atuação e pesquisa são ainda mais amplas que as áreas que obteve seus títulos, sendo as principais linguística românica, semântica, pragmática, aspecto verbal e ensino de língua materna.

O texto “Linguística e ensino da língua portuguesa como língua materna” foi produzido para o Museu da Língua Portuguesa, que foi criado em 2006 com o propósito de “valorizar a diversidade da língua portuguesa, celebrá-la como elemento fundamental e fundador da cultura e aproximá-la dos falantes do idioma em todo o mundo” (O MUSEU, c2019). Em 2009, o objetivo de Ilari ao escrevê-lo é demonstrar a influência da linguística, ciência nova comparada a outras, no ensino da língua portuguesa como língua materna.

O artigo é constituído de oito partes, sendo seis delas parte do corpo do texto e as duas finais elementos extratextuais, que são o glossário e a bibliografia recomendada. Em geral, o texto tem como função reconstruir historicamente o surgimento da Linguística no Brasil e sua relação com o ensino da língua portuguesa.

A primeira parte tem como título “Primeiras reflexões da Linguística sobre o ensino da Língua Portuguesa como língua materna” e parte de um ensaio escrito por Mattoso Câmara Jr. em 1957, que trazia propostas e ideias inovadoras para a época, mostrando o que foi conquistado pela Linguística nesse campo do saber nos cinquenta anos subsequentes a essa primeira reflexão: papel do linguista como pesquisador da linguagem, variação de maneiras de se pensar a língua (promovendo pesquisas), assimilação de outras teorias que têm a língua como fenômeno participante, tal qual a cognição.

Em seguida há um capítulo destinado a tratar do gramático e do filólogo, figuras muito presentes no estudo da linguagem, principalmente antes da consagração da linguística como ciência no Brasil. O filólogo é o profissional que objetiva o estudo da língua como era antigamente, analisando textos escritos em língua portuguesa desde o século XII. Já o gramático é aquele que estuda, principalmente, a gramática normativa, feita pra criar normas para a língua. O ensino da língua portuguesa nas escolas era em totalmente baseado na gramática normativa, buscando sempre uma padronização da língua.

A terceira parte trata do surgimento das ideias estruturalistas no contexto brasileiro, nos anos 1960, que tinham como tarefa o entendimento da estrutura de uma língua a partir da observação do comportamento linguístico. Com essa visão, então, percebeu-se que no Brasil convivem diferentes “línguas”, o que fez com que a forma do ensino da língua nas escolas passasse a ser questionado, já que a gramática normativa, conteúdo de tais aulas, não era seguida em situações efetivas de uso. Houve certa resistência pelos professores, mas já existe uma certa assimilação, pelo menos teórica, de que ensinar língua portuguesa não é só ensinar gramática.

Logo depois há um capítulo denominado “Linguística ou linguísticas?”, que é totalmente dedicado à interdisciplinaridade da matéria e outros enfoques teóricos. Assim, são citados e explicados conceitos tais quais Sociolinguística, que envolve a relação entre língua e sociedade; Gramática Gerativa, em que a língua passa a ser concebida como um objeto matemático; e Análise do Discurso, que se importa com os valores ideológicos vinculados aos textos de uma sociedade complexa.

O capítulo cinco fala das orientações metodológicas destinadas ao ensino e pensadas pela Linguística. Para esse propósito, inclusive, foi criada uma nova frente de estudos linguísticos, chamada de Linguística Aplicada, que hoje preocupa-se com várias áreas de atividades humanas em que a linguagem tem papel essencial. Nesse momento a Linguística também passou a se preocupar com disciplinas de Produção de texto, fazendo estudos que entenderam que estudar textos é diferente de estudar sentenças, já que pessoas são capazes de produzir textos eficazes mesmo sem a utilização da língua padrão e todo texto real é uma forma de resposta. A partir disso, uma nova forma de corrigir redações precisou ser pensada, já que a correção tradicional costuma dar notas pela quantidade de erros ortográficos ou gramaticais presentes. A prática da alfabetização, hoje chamada letramento (o letramento abarca um conhecimento da escrita que “alfabetização” não suporta), também sofreu mudanças nesse período pelos estudos fonológicos, que mostraram algumas arbitrariedades da escrita. Estudos construtivistas também mostraram que a criança passa a ser alfabetizada quando compreende a relação entre som e escrita, não quando alcança o estágio da prontidão (a alfabetização começava pelo desenho das letras), como era pensado anteriormente. O ensino da leitura é e sempre foi um dos desafios da escola brasileira, desafio relacionado à desinformação sobre a leitura como competência.

Por fim, há a última parte textual, focada em refletir sobre o que se espera da parceria entre linguística e ensino de língua materna, fazendo uma linha do tempo para mostrar o que mudou nos últimos anos. Hoje, a Linguística não precisa explicar sua presença para os agentes de ensino. Já em relação à assimilação social da realidade linguística diversa do país ainda encontra resistência,

porque a mídia — sobretudo os jornais e a televisão — encamparam a velha bandeira da correção, da uniformidade linguística e da primazia do escrito e, com seus manuais de redação, suas colunas de consulta gramatical e seus programas em que a ideia de língua é vinculada à ideia de pátria, continuam agitando um fantasma que tem sido extremamente eficaz para fazer da língua um motivo de exclusão social (ILARI, 2009, p. 21).

A maior tarefa da Linguística relacionada ao ensino de língua materna está em valorizar os usos reais da língua e partir deles para ensinar a língua culta. Assim, o texto se conclui ao afirmar que atualmente o debate sobre a língua tem duas frentes opostas, a da compreensão da realidade linguística e a de ignorar tal realidade, ensinando dogmas. A escolha da linguística é sempre a da oposição do preconceito, lutando pelo conhecimento existente.

Ilari tem uma linguagem de fácil compreensão e é claro em suas ideias, tornando o texto agradável de ser lido, mesmo com a grande quantidade de informações que fornece. Tanto aspectos históricos quanto teóricos são bem explicados e balanceados no decorrer do texto, não havendo nenhuma informação não relacionada com as outras. Por esses motivos e também pela amplitude do assunto, tal leitura pode ser feita por toda pessoa com interesse nas áreas tanto de Linguística, quanto de ensino da língua portuguesa como língua materna, O texto, entretanto, é principalmente indicado para aqueles que estudam a língua, não só para ensiná-la.

*Resenha produzida para a disciplina Linguística no Brasil, em 2019.

Referências

O MUSEU. Museu da Língua Portuguesa, c2019. Disponível em: <http://museudalinguaportuguesa.org.br/o-museu/>. Acesso em: 9 maio 2019.

RODOLFO Ilari. Biblioteca virtual da FAPESP, 2019. Disponível em: <https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/4176/rodolfo-ilari/>. Acesso em: 9 maio 2019.

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